Estresse e a Telefonista
RESUMO
Quando o estresse aumenta muito ultrapassando largamente a capacidade individual de tensão, surge uma reação de alarme que desencadeia processos corporais e psíquicos de adaptação e defesa, para restabelecer o equilíbrio destruído no organismo. Se as medidas agressivas e regressivas de descarga e defesa não forem suficientes, segue-se então um colapso da organização psíquico-somática. A ação do estresse depende em larga medida do grau de sobrecarga individual. O trabalho pode ser uma fonte de satisfação mas, pode tornar-se numa verdadeira prisão e sofrimento. A presente pesquisa objetiva verificar as condições de trabalho que levam ao estresse profissional dos atendentes de telecomunicações do setor de auxílio à lista (102) da Telebrasília.
“Acontecimentos aparentemente bons, como o natal ou o nascimento de um filho, são potencialmente desgastantes. O organismo percebe a ameaça ao equilíbrio, não julgando a natureza dessa ameaça, se é para melhor ou para pior. O que o organismo percebe é que ocorreu uma mudança. Tudo vai depender do grau de estresse e do momento da vida da pessoa. Às vésperas de uma prova, por exemplo, ele é benéfico. Quando o fato for isolado e a tensão, temporária, o organismo volta ao estado normal assim que o problema é ultrapassado.
Öhman, Esteves e Parra (1995) apontaram três categorias de acontecimentos estressantes. Na primeira categoria encontram-se aqueles que impõem grandes exigências à capacidade de enfrentamento de uma pessoa e ocorrem com pouca freqüência, como por exemplo, a morte de um ente querido, a perda de um emprego, ser aprisionado, etc. Os pequenos acontecimentos estressantes, chamados de problemas do cotidiano constituem a segunda categoria e acontecem com maior freqüência na vida das pessoas. Na terceira categoria encontram-se os conflitos contínuos da vida: problemas de casais, desemprego prolongado, dificuldade de educar os filhos, etc.
Entretanto, as pessoas diferem quanto à sua forma de reagir aos desafios impostos pela vida. Cada um tem um nível diferente de tolerância ao estresse. Algumas pessoas parecem não sofrer efeitos negativos de níveis aparentemente altos, enquanto outras suportam apenas algumas mudanças por vez em sua vida, sem se tornarem ansiosas, deprimidas ou doentes. Assim, as variáveis individuais desempenham um papel decisivo na formação de um problema psicopatológico.
As situações estressantes relacionadas à família e ao trabalho são as mais graves, não só pela natureza e multiplicidade das facetas que encerram, mas principalmente por configurar, na maioria das vezes, uma fonte permanente de tensão ao longo da vida, ou seja, configuram situações de estresse crônico e duradouro.
Milhares de pessoas têm a saúde mental afetada pela forma como exercem sua profissão. Este problema promete se tornar nos próximos anos uma das maiores causas de incapacidade para o trabalho. São vítimas silenciosas que só nos últimos dez anos começaram a merecer mais atenção de médicos e psicólogos.
O estresse tem relação com o ambiente de trabalho e causa sofrimento psíquico – o que não significa doença mental – e também somatizações físicas.
Sabe-se que algumas profissões estão mais sujeitas ao problema. Telefonistas, bancários, professores, médicos, digitadores e jornalistas aparecem no topo da lista dos mais estressados.
Apesar do interesse recente, o problema não é novo. Apenas passou a receber mais atenção depois que aumentou a procura pelo trabalhador polivalente. Não aquele que só faz o movimento físico, mas o empregado que seria capaz de tomar decisões e manter um bom relacionamento com os clientes.
A importância que o trabalho tem para o bem-estar e a saúde das pessoas é algo de há muito pressentido, mas somente comprovado e reconhecido há relativamente pouco tempo (Dias da Silva, 1994,p.309).
O potencial nocivo do estresse no trabalho encerra vários aspectos: a inatividade física e as posturas físicas inadequadas, os erros elementares e o mais importante, as próprias tensões oriundas ou associadas ao trabalho (Dias da Silva, 1994,p.309).
Os agentes estressores ligados ao trabalho têm origens diversas. Podem residir em condições externas, resultantes por exemplo da conjuntura econômica, da ameaça de falência da empresa, do medo de perder o emprego e até da falta de condições materiais e ambientais para desenvolver adequadamente o trabalho. Podem, ainda, advir das exigências culturais, isto é, das cobranças do grupo social e familiar, com relação ao status sócio-econômico e desempenho profissional (Dias da Silva, 1994,p.310).
A mais importante fonte de tensão, no entanto, seria a condição interior de cada indivíduo. Essa condição origina a insatisfação profissional e as perturbações neuróticas no relacionamento com outras pessoas (Dias da Silva, 1994,p.310).
A insatisfação profissional comporta dois aspectos: o não gostar, pura e simplesmente do que se faz – ou de onde se faz – e também da não-obtenção das recompensas de que o indivíduo se julga merecedor, seja em termos financeiros, seja em prestígio e poder ou nas três em conjunto. Essa insatisfação deve-se muito mais a condição interior da pessoa (Dias da Silva, 1994, p.310).
Dentro das mais variadas profissões existem causas gerais e específicas de estresse. A fim de objetivar melhor este estudo, é importante salientar os estímulos estressores específicos dos quais a profissão de atendente de telecomunicações está sujeita.
Embora pareçam triviais, pequenas irritações como as que serão expostas a seguir, podem levar o indivíduo a um estado de estresse devido a um importante efeito cumulativo.
Tentativas extremas para forçar o ritmo circadiano inato, que seria o ritmo biológico de cada um, como por exemplo trabalhar em turnos da madrugada, causam estresse tanto fisiológico como psicológico. Horas imprevisíveis de trabalho, impede que o indivíduo se sinta seguro quanto às exigências do trabalho. Também essas longas e insociáveis horas em si interferem no desenvolvimento das relações pessoais e no lazer, dos quais tanto depende o alívio do estresse.
Outro agente estressor desta profissão seria o status baixo e as perspectivas de remuneração e de promoção. Se o trabalho não é bem considerado pela sociedade em geral, como os clientes ou a chefia, torna-se difícil impedir um prejuízo no autoconhecimento e na importância do trabalho naquele que o executa. Não é fácil sustentar um sentimento verdadeiro de valor pessoal, se outras pessoas parecem encarar como de menor importância o que cada um faz, ou como algo que qualquer um poderia fazer com um mínimo de treinamento e qualificação.
Salário e condições de trabalho também são importantes determinantes do estado de estresse. Bons salários e boas condições de trabalho não apenas são valiosos em si – um bom salário ajuda a evitar o estresse de problemas financeiros, enquanto boas condições de trabalho promovem a eficiência.
O excesso de rotina e de previsibilidade podem tornar um trabalho monótono, mas, em geral, as pessoas necessitam de um mínimo de estabilidade para se sentirem seguras. A incerteza e insegurança tira alguns dos marcos familiares, pelos quais orienta-se e estabiliza-se o autoconceito. Na pior das hipóteses, a incerteza pode se apresentar na constante ameaça de uma demissão.
Expectativas elevadas demais consistem numa das maiores causas do excesso de estresse. Se sempre espera-se muito de si mesmo, forçando-se em excesso, o resultado desse irrealismo é que o indivíduo nunca estará satisfeito com seu desempenho nem pode relaxar frente à sensação de um trabalho bem feito.
As más relações com os superiores dentro do trabalho também são uma forte fonte de estresse, pois eles têm o poder de influenciar materialmente da vida das pessoas. Outro estressor, nas relações subordinado-chefe, é o superior que deixa de dar crédito quando é merecido pelo empregado ou o chefe que perde tempo com críticas frustrando a criatividade e o entusiasmo e fazendo por em dúvida a competência do indivíduo. Isso faz a pessoa sentir-se desvalorizada e pode embotar tanto o gosto pelo trabalho como o incentivo para melhorar seu desempenho e lutar por promoções.
Poucos conseguem seu melhor desempenho quando estão sob pressão constante. Além das férias e das interrupções formais de cada dia, como o almoço e o cafezinho no meio do expediente, necessita-se de intervalos curtos entre o término de uma tarefa difícil e o início da seguinte. É importante esses momentos em que se pode experimentar a liberdade do trabalho.
A liberdade também é conseguida por meio de uma dose de variedade na estrutura daquilo que se faz. A mente humana exige os estímulos de nova experiências esporadicamente, para que permaneça concentrada e criativa. Destaca-se aqui, o que se denomina “mal-estar do trabalho vazio”, característica justamente dos que executam tarefas rotineiras, repetitivas e que dão aos que a executam a impressão de não serem importantes e nem valorizadas pela organização.
Também os canais de comunicação deficientes são frequentemente citados como uma fonte de estresse. Assim, a tentativa de dar ou receber informações, de uma tarefa rápida e não estressante passa a um trabalho prolongado, estressante demais e, com frequência, infrutífero pois, grande parte da satisfação com o trabalho provém de se ver, ao final, um produto acabado.
Em todos os tipos de empresas e profissões que envolvem o contato com o público, existe espaço para atritos e conflitos. É relatado que os choques com clientes ferem as pessoas mais, quando são totalmente inesperados ou injustos e injustificados. No primeiro caso, não há tempo para preparar defesas. No segundo caso, recebe-se acusações que pertencem mais ao sistema do que aos indivíduos forçados a trabalhar nele ou enfrenta-se a violência de desentendimentos ou de antagonismos mal colocados. O desapontamento é maior, quando se está de fato fazendo o melhor possível para ajudar o cliente e se poderia esperar crédito e apreciação.
Enfim, o estresse é provocado mais pela forma como se reage aos acontecimentos da vida e a maneira como é interpretado e sentido estes acontecimentos que, mais que eles em si. A grande determinante do potencial nocivo do estresse é um estado interior de insatisfação consigo mesmo e com a vida. Ao contrário do que ocorre com os animais, portanto, o que hoje ameaça a vida e a saúde não são, como regra, os perigos que vêm de fora, e sim aqueles que são trazidos dentro de cada indivíduo.
A felicidade e satisfação profissional, provém da aceitação das limitações de cada um e, por conseguinte, a admissão de expectativas realistas quanto a nossa vida e nosso trabalho, entre outras coisas.
Gostar do que se faz, conseguir transformar o trabalho em fonte de satisfação, sair de casa feliz para ir trabalhar é condição indispensável para a felicidade e, portanto, para a saúde. Ninguém será feliz se não conseguir tornar interessante e gostar de seu cotidiano, onde se inclui o trabalho.
DISCUSSÃO
Após categorização e análise dos resultados utilizando o formulário BASIC ID e comparações dos resultados obtidos com a teoria já demonstrada na introdução deste trabalho, segue-se as discussões dos resultados obtidos sujeito a sujeito e logo depois uma conclusão final abrangendo a profissão de atendente de telecomunicações como um todo.
Vale frisar que o leitor não encontrará nesta discussão um diagnóstico a respeito do nível de estresse de cada sujeito entrevistado, pois a metodologia usada para pesquisar as condições de estresse nesta profissão não forneceu dados empíricos suficientes para a afirmação concreta do estado de estresse de cada sujeito.
O sujeito E.M.V. soube definir muito bem o que seria estresse. Acha que já foi muito estressado assim que entrou na Telebrasília, hoje já não é muito. Dentro dos sintomas do estresse, o sujeito apresentou lentificação dos movimentos porém, num modo geral foram mudanças mais para o lado da agitação. Tem falado mais alto quando está atendendo, relatou mudança de certos hábitos como o modo de se vestir, impaciência, agressividade comentada por outras pessoas de seu convívio. Com o excesso de trabalho repetitivo nas mãos, o sujeito apresenta dores musculares e até já entregou vários atestados na empresa por dores nas articulações das mãos. Apresentou episódios de diarréia, tem dormido muito, se sente cansado com facilidade e sua sensibilidade à luz, aos sons e ao tato se mostra aumentada.
O sujeito D.L.L. também mostrou suas mudanças emocionais, desde que começou neste emprego, mais para o lado da agitação. Essa, se manifestou nesse indivíduo através da inquietação, dificuldade em relaxar, preocupação demasiada, explosividade em seus comportamentos, cansaço, impaciência e fala mais alta que o tom normal. Porém, como há uma mistura de agitação e apatia na maioria das vezes, o indivíduo relatou que tem havido uma lentificação em seus movimentos e tem dormido muito. Sente dores musculares, mesmo sem ter se machucado, utilizando para alívio de tais dores aparelhos elétricos, dores de coluna e a sensação de peso nas pernas e braços. Apresentou como sintoma vegetativo a má digestão. O mesmo disse ter acontecido ultimamente vários desentendimentos com sua namorada e sua irmã tem reclamado de agressividade em seus comportamentos, além do mesmo dizer que anda muito nervoso e intolerante, fato este mais intensificado com a insatisfação em seu trabalho. O próprio indivíduo diz estar nesta empresa por falta de opção e por precisar de dinheiro. Entretanto, D.L.L. se dispõe de quinze minutos diários para a prática de exercícios físicos, se preocupa bastante com a saúde tomando remédios caseiros e só em último caso opta pelos farmacêuticos.
O sujeito Z.P.C. se imagina trabalhando na Câmara ou no Senado, além de ter verbalizado insatisfação com seu emprego atual, fatos que refletem seu conteúdo mental de motivação que leva a estudar para outros concursos. Apresenta bom relacionamento com colegas de trabalho e familiares. Tenta realizar tudo com êxito. O sujeito não se considera estressado e isto pode ser verificado pela análise de suas variáveis individuais como possuir hábito de frequentar academia de ginástica durante duas horas diárias, ter alimentação à base de produtos naturais e integrais, não possuir o hábito de beber ou fumar. Apesar de realizar tudo com êxito não compara seu trabalho com o de outras pessoas e quanto a sua insatisfação no emprego atual, o mesmo acredita que nenhum emprego é perfeito e também não costuma planejar nada para o futuro. Com este hábito de vida, o sujeito não apresentou nenhum dos sintomas físicos da doença.
O sujeito M.D.O. diz ter uma vida corrida pelo fato de trabalhar no horário da manhã e de estudar à noite na AEUDF. Disse que algumas pessoas reclamam que o tom da sua voz está ficando muito baixo, está cansado e irritado, tendo frequentemente alterações no seu humor (às vezes fica triste, logo depois feliz) e nas suas gesticulações ( tem gesticulado mais do que o normal). Está mais fechado do que o habitual e mais impaciente com as pessoas que estão ao seu redor Está tendo dificuldades para adormecer e quando consegue dormir, o seu sono é agitado. Sente pressão no peito, dores musculares principalmente no pescoço e nos ombros, o batimento cardíaco está acelerado, tem sensibilidade à luz e tem vertigem e dores de cabeça mas, diz dever ser por causa da dieta que está fazendo dos Vigilantes do Peso. Tenta ser o mais eficiente possível tratando os clientes com presteza e rapidez mas, fica muito irritada quando estes demoram muito para explicar alguma informação que desejam. Enfim, o sujeito sonha em se formar e depois fazer vestibular novamente para psicologia e ter um emprego melhor.
O sujeito C.B.M. diz estar apresentando movimentos mais acelerados com gesticulações desnecessárias e fala em tom mais elevado. Tem apresentado também muita dificuldade em dormir. Sente-se constantemente agitado, irritado e com dificuldade em relaxar. Emocionalmente, informou ser instável, com o humor alterando com muita frequência. Tem estado muito ansioso devido à falta de tempo fazendo este não conseguir realizar todas as suas atividades diárias. Tem tido uma enorme sensação de cansaço mental e perda de memória. Constantes dores de cabeça e musculares, fadiga, mal estar e fraqueza, além de constante sensação de “bolo” no estômago. Fica pensando nos afazeres mesmo nos momentos de lazer e descanso. Não tem tido muito tempo para o relacionamento familiar mas, valoriza muito bons relacionamentos interpessoais. Em geral, se relaciona bem com as pessoas. Suas perspectivas são de que os esforços de hoje trarão recompensa futuras. Tem se preocupado mais com a sua aparência, procurando se vestir mais “bem arrumado” devido ao seu estágio na área de Direito. Consome muitos analgésicos devido às dores de cabeça. Bebe socialmente aos finais de semana e confessa que tem se alimentado muito mal com uma dieta desequilibrada, trocando refeições por lanches rápidos devido à falta de tempo para às refeições.
De acordo com a teoria citada, a profissão dos sujeitos entrevistados é altamente estressante. De uma maneira geral, os entrevistados apontaram como mais estressantes os seguintes aspectos em sua profissão de atendente de telecomunicações: trabalhar nos finais de semana e feriado porque eram obrigados muitas vezes a renunciar de seus momentos de lazer e descanso; o horário que trabalham, que é de seis às doze horas da manhã, para o caso dos atendentes daquele turno, o que os obrigam a mudar seus ritmos biológicos por terem que se levantar mais cedo e que conforme a teoria, seria menos estressante retardar este ritmo do que adiantá-lo. Também citaram o fato de serem considerados pelos seus superiores como crianças pois, há demasiadas cobranças que avaliaram serem desnecessárias; o trabalho unicamente mecânico sem variedade na execução de sua tarefa, o que pode diminuir a concentração, a criatividade e o aprendizado. Há frequentemente situações de desconforto com clientes mal informados pois, os mesmos descarregam a culpa de não constar no cadastro determinada informação solicitada aos atendentes.
Por fim, apesar de estarem sempre em constante contato com estes agentes estressores, vale frisar que as variáveis individuais desempenham um papel decisivo na determinação do potencial nocivo do estresse tanto em atendentes de telecomunicações como também em outras profissões.”