O Suicídio na Adolescência
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O Suicídio na Adolescência

O suicídio na adolescência é um problema de saúde pública que tem aumentado ao longo dos anos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que o suicídio é a segunda causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, sendo que, a cada ano, cerca de 800.000 pessoas morrem por suicídio em todo o mundo (OMS, 2021). No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, entre 2011 e 2019, foram registrados 12.363 óbitos de jovens de 10 a 19 anos por suicídio (Brasil, 2020).

O suicídio é um fenômeno multifatorial, ou seja, é resultado da interação entre diversos fatores que podem estar presentes na vida do indivíduo, tais como transtornos mentais, história de abuso ou violência, problemas familiares, escolares e sociais, dentre outros (Borges et al., 2017). Em muitos casos, a depressão é um dos principais fatores associados ao suicídio na adolescência (Gould et al., 2018).

Um dos principais desafios na prevenção do suicídio na adolescência é a identificação precoce dos sinais de alerta. Muitas vezes, os jovens não expressam diretamente o desejo de morrer, mas apresentam mudanças significativas em seu comportamento, como isolamento social, perda de interesse em atividades que antes gostavam, queda no rendimento escolar, irritabilidade e agressividade (Borges et al., 2017).

Além disso, é importante que os profissionais de saúde estejam capacitados para lidar com o suicídio na adolescência, fornecendo orientações e tratamentos adequados. O atendimento psicológico, por exemplo, pode ser eficaz na redução do risco de suicídio em jovens com transtornos mentais (Asarnow et al., 2017).

Outro aspecto relevante na prevenção do suicídio na adolescência é a promoção de um ambiente saudável e de apoio social. É importante que os jovens se sintam acolhidos e apoiados por seus familiares, amigos e professores, criando um espaço de diálogo e escuta (Borges et al., 2017).

No entanto, ainda existem muitos tabus e estigmas relacionados ao suicídio, o que pode dificultar a prevenção e o tratamento. É necessário quebrar esses tabus e estimular o diálogo aberto sobre o assunto, a fim de conscientizar a população sobre a importância da prevenção do suicídio na adolescência (OMS, 2021).

Além disso, é importante que as políticas públicas e as instituições de saúde invistam em programas de prevenção do suicídio na adolescência, como a capacitação de profissionais de saúde, a promoção de ambientes saudáveis nas escolas e comunidades, e a divulgação de informações claras e precisas sobre o tema (Brasil, 2020).

A literatura sobre suicídio na adolescência mostra a participação de fatores psiquiátricos, familiares, demográficos, e religiosos em torno do suicídio do adolescente. De fato, Renám García Falconi realizou um estudo para analisar essas variáveis na predição da intenção suicidarem adolescentes. Foram estudados 51 adolescentes masculinos e 60 femininos, com idades entre 14 e 18 anos. Constatou-se que a ideação suicida, a ansiedade, o motivo existencial e a depressão estão fortemente relacionados com a intenção suicida.

Suicídio e Depressão

Entre os fatores psiquiátricos associados ao suicídio, em primeiro lugar está a depressão, alteração afetiva predominante no ato suicida, desde sua ideação, intenção até o suicídio de fato. Apesar de vários motivos ou explicações rodearem o suicídio dos adolescentes, como por exemplo, os fatores de ordem sexual, as drogas, timidez, fracasso escolar, problemas sentimentais, de relação familiar, e muitos outros, se a pessoa passar por tudo isso sem depressão ela, certamente, não se suicidará. Alguns autores consideram que, além da depressão, tem sido comum em adolescentes suicidas também um transtorno de conduta (Beyaert, 1999).

O suicídio da depressão não costuma ser espontâneo ou impulsivo, como acontece em alguns casos de esquizofrenia, de embriaguez patológica ou transtorno explosivo da personalidade. Na depressão o suicídio costuma ser elaborado em detalhes, com escolha do meio de se matar, hora e local do ato.

E o engano maior que se observa em nossa cultura é acreditar que só os adultos são vítima da depressão, só “quem tem problemas e luta com as dificuldades da vida” pode se deprimir. De fato, tanto o adolescente quanto o adulto podem ter depressão. No adolescente, entretanto, a depressão será pior ainda, pois nessa faixa etária o quadro depressivo pode ficar mascarado por outros sintomas, como por exemplo, a rebeldia, irritabilidade, mau humor, inquietação ou isolamento no quarto, etc.

Um sinal de alerta para a possibilidade depressiva no adolescente é quando, por exemplo, uma pessoa alegre, jovial e expansiva, de algum tempo para frente, se transforma, abandona tudo o que apreciava, afasta-se de tudo e de todos, desinteressa-se, etc.

Os sintomas depressivos mais associados ao suicídio do adolescente dizem respeito ao severo prejuízo da autoestima, aos sentimentos de desesperança e à incapacidade de enfrentar e resolver problemas. Esses sintomas podem não estar presentes no início do quadro, mas à medida que a depressão vai se tornando mais grave a baixa da autoestima vai piorando, vão surgindo sentimentos de inutilidade e, progressivamente, o jovem vai ficando mais desesperado (sentimentos de desesperança).

Daí em diante o quadro depressivo fica mais claro, com falta de entusiasmo, baixa energia, pouca ou nenhuma motivação, afastamento ou isolamento de atividades sociais, dificuldade em tomar decisões, baixo rendimento escolar, insônia ou dormir demais, sentimentos de culpa, eventual uso e/ou abuso de álcool ou drogas, ansiedade, medo, etc.

Dentro ainda dos sintomas depressivos, é importante considerar o teor do discurso do adolescente que alimenta intenção de suicídio. Sentimentos de culpa por sua simples existência podem estar presentes, como por exemplo, sentir-se como se fosse um “fardo para seus pais, para outras pessoas…” Costuma comunicar para pessoas de sua intimidade que “sua vida não tem sentido e que a sua morte seria um alívio para todos” e coisas assim.

Além da Depressão

A depressão não esgota as possibilidades patológicas do suicídio na adolescência e alguns outros quadros podem estar associados, possivelmente como causa psiquiátrica.

Felizmente não tão frequente, a Esquizofrenia em seu surto agudo pode ser responsável por um número de suicídios na adolescência. A faixa etária dessa psicose no sexo masculino, principalmente, é por ocasião da adolescência e, dependendo da natureza dos sintomas delirantes pode levar ao suicídio. Além da imposição ao suicídio determinada por delírios autodestrutivos, também a depressão que acompanha a esquizofrenia pode resultar em autoextermínio.

Por várias décadas os sintomas depressivos da esquizofrenia foram menosprezados, voltando-se quase exclusivamente para o estudo dos sintomas psicóticos. Mas, na realidade, os sintomas depressivos são reconhecidos na esquizofrenia desde suas primeiras descrições por Kraepelin em 1896 e Bleuler em 1911 e este tipo de sintoma se acompanha de um maior risco de suicídio. Jorge Alberto Salton fala em 10% o número de esquizofrênicos que se matam.

Depois de passado o surto psicótico da esquizofrenia, costuma surgir à chamada Depressão Pós-Psicótica. Segundo levantamento bibliográfico feito por Rodrigo Afonseca Bressan (Shirakawa, 1998), a Depressão Pós-Psicótica tem sido relacionada a hospitalizações mais longas, à pior resposta a medicações, pior desempenho social, cronicidade, maiores taxas de recaídas e ao suicídio.

Os dados epidemiológicos atualmente aceitos em relação ao suicídio na esquizofrenia, citados por Bressan (in: Shirakawa, 1998) são os seguintes:

a) de 2% a 13% de todos os pacientes cometem suicídio
b) esquizofrênicos têm um risco de 10% a 20% maior que a população geral para cometer suicídio;
c) o risco é maior em pacientes do sexo masculino
d) o risco é maior em pacientes jovens e diminui com a idade.

Entre os fatores capazes de aumentar o risco de suicídio em pacientes esquizofrênicos destacam-se: o isolamento social, não ser casado, desempregado, história prévia de tentativa de suicídio, fortes expectativas sócio familiares de bom desempenho, curso da doença crônico e com muitos surtos agudos, múltiplas internações, dificuldades no trabalho, história de depressão no passado e, evidentemente, depressão presente. Este último fator é maior de idade risco ainda, quando o sintoma proeminente é humor deprimido persistente e desesperança.

O Transtorno Dismórfico Corporal, muito comum em adolescentes, diz respeito à preocupação exagerada com um defeito inexistente ou ligeiro na aparência. Atualmente o Transtorno Dismórfico Corporal está relacionado à alteração patológica da imagem corporal que encontramos em pacientes anoréticos, os quais veem-se mais gordos do que são ou até, veem-se gordos quando, de fato, estão raquíticos. Pois bem. Entre pacientes com esse Transtorno Dismórfico Corporal, 21% tinha feito uma tentativa do suicídio, no mínimo, segundo Albertini (1999).

A Personalidade Borderline segundo o DSM.IV (Manual de Diagnóstico e Estatística das Doenças Mentais) é caracterizada por um padrão comportamental de instabilidade nos relacionamentos interpessoais, na autoimagem e nos afetos. Há uma acentuada impulsividade, a qual começa no início da idade adulta e persiste indefinidamente.

O paciente Borderline frequentemente se queixa de sentimentos crônicos de vazio. Há sempre uma propensão a se envolver em relacionamentos intensos mas instáveis, os quais podem causar nessas pessoas, repetidas crises emocionais. A CID.10 diz ainda que esses pacientes se esforçam excessivamente para evitar o abandono, podendo haver quanto a isso, uma série de ameaças de suicídio ou atos de autolesão. O suicídio concreto, quando acontece em portadores de Personalidade Borderline, geralmente se dá por engano, ou seja, quando sua automutilação ou teatralidade não foi bem planejada ou fugiu ao seu controle.

O(a) Adolescente e o Ato de se Matar

Garrido Romero (2000) considera que a tentativa do suicídio é a emergência psiquiátrica mais frequente nos adolescentes. A idade média dos pacientes admitidos com intoxicação voluntária em serviço de emergência para crianças e adolescentes foi de 15,6 anos, sendo 87% deles meninas. Já haviam passado por atendimento psiquiátrico prévio 60,9% desses jovens.

A substância tóxica mais usada para esse tipo de tentativa de suicídio por intoxicação voluntária era originária de remédios que, na maioria das vezes (82,6%), foi obtida no próprio lar dos adolescentes. Os resultados sugeriram ao autor que a prevenção do suicídio nessa faixa etária requer, além da avaliação dos riscos de suicídio, também a vigilância sobre o acesso aos medicamentos da casa.

No adolescente a comunicação principal se dá através da ação, ainda que na ausência dessa, ou seja, o isolamento e a apatia geral (falta de ação) também é, para o adolescente, uma forma de comunicação. Como nós, também os clínicos em geral, percebemos grande dificuldade em aplicar nos adolescentes a orientação de ser expectante, ou seja, de esperar que o tempo proceda alguma mudança em suas vidas, esperar que problemas se resolvam. Não, ele(a) não espera. O adolescente é impulsionado à ação, ao fazer…

A depressão no adolescente é atípica, como dissemos, na medida em que ele(a) não tem recursos para discursar sobre seus sentimentos, de externar a problemática existencial e emocional pela qual está passando.

Aí, neste caso, diante de eventual introversão, da dificuldade em demonstrar sentimentos, da coerção que o meio cultural tem sobre a manifestação emocional, a ação acaba substituindo esta, digamos, “inabilidade” de exteriorizar sentimentos. Para o adolescente, a solução de seus conflitos pode se traduzir na atitude de recorrer às drogas, ao álcool, à rebeldia e desobediência, à promiscuidade sexual, aos comportamentos agressivos e, inclusive, ao suicídio. Enfim, alguma comunicação não verbal dos seus sentimentos pode aparecer no adolescente.

A administração do comportamento suicida no adolescente não é uma coisa simples. Primeiramente, alguns autores consideram que uns terços desses adolescentes fazem repetidas tentativas de suicídio, aumentando assim o risco de morte. Em segundo, 70 % dos pacientes que tentam suicídio não têm um transtorno mental apropriadamente diagnosticado, embora necessitem de cuidados nessa esfera (Pommereau, 1998). Apesar disso, na prática, temos observado exatamente o contrário, ou seja, com exceção dos cuidados físicos dispensados ao adolescente suicida nos serviços de emergência, a expressiva maioria dos hospitais não dispõe de um serviço de acompanhamento psiquiátrico.

E não é apenas ao suicídio clássico e franco que o adolescente deprimindo recorre; muitas vezes ele(a) pode tentar suicídio de forma indireta e inconsciente, dirigindo de maneira imprudente, envolvendo-se em acidentes facilmente evitáveis, abusando de drogas e álcool, lidando insensatamente com armas de fogo, enfim, facilitando para que o acaso possa acabar com sua vida. Segundo Antônio Goulart, de modo geral, os jovens morrem principalmente de causas violentas e para cada suicídio de um adolescente, existem 10 tentativas. As moças tentam 3 vezes mais o suicídio que os rapazes, mas os rapazes alcançam a morte mais frequentemente que as moças e utilizam métodos mais violentos.

Sobre a tendência popular de se desvalorizar quem fala muito em se matar, e levar mais a sério quem é retraído ou mais calado, Handwerk e colaboradores (1998), de fato, encontraram uma relação inversa entre a letalidade da tentativa de suicídio e o fato da pessoa avisar mais enfaticamente que quer se matar. Segundo esse autor, algum tipo de uma comunicação precede 80% das tentativas de suicídio ou suicídios concretizados em adolescentes. Em 46 casos estudados, os mais letais fizeram poucas comunicações sobre a intenção suicida, ao contrário daqueles com mais comunicações, cujas tentativas foram menos letais. Isso, entretanto, não nos autoriza a menosprezar adolescentes que falam muito sobre a intenção em se matar.

Do ponto de vista ético e filosófico o suicídio é bastante complicado. Até a sabedoria popular não diz, ao certo, se o suicídio é um ato de desespero covarde ou desespero corajoso. Vê-se a dimensão do problema filosófico nas palavras de Albert Camus, para quem “só há um problema filosófico verdadeiramente sério: o suicídio”.

E, de fato, o suicídio é uma questão tão séria que não deve ser deixado sob-responsabilidade exclusiva da psiquiatria. Seus aspectos extra médicos, ou seja, seus componentes éticos, religiosos, morais, culturais e circunstanciais convocam ao seu estudo e compreensão o filósofo, o intelectual, o psicólogo, o religioso, o escritor, o sociólogo e por aí afora.

Segundo o autor italiano Cesare Pavese (1908-1950), o suicídio pode ser compreendido como uma solução falida e mal adaptada de uma crise provocada pelo estresse real em uma pessoa psiquiatricamente predisposta. Esta descrição é retirada da própria biografia de Pavese, o qual cometeu suicídio no pico de sua carreira, mas, segundo seu diário, vinha refletindo sobre isso por muitos anos antes (Scherbaum, 1997).

Por pessoa “predisposta”, segundo as palavras de Pavese, em primeiro plano entendemos aquelas com propensão à depressão e, em segundo, as portadoras de Transtorno Borderline da Personalidade. Essa possibilidade Borderline foi investigada por Muttini em 1997, através do teste de Rorschach. Entretanto, não podemos desprezar os fatores culturais atrelados ao suicídio. No Japão, por exemplo, entendemos que a extrema solicitação cultural dirigida à criança e ao adolescente pode ter papel preponderante na atitude suicida nessa faixa etária (Kawabata, 2001).

Suicídio e a Família

Variáveis familiares costumam estar fortemente associadas com o ato suicida de adolescentes. Algumas dessas variáveis dizem respeito à estrutura familiar, bem como às e relações entre os membros da família (Kurtz & Derevenske, 1993; Paluszne, Davenport & Kim, 1991; Wagner e Cohem, 1994). Inclusive, alguns autores realçam o aumento de risco quando existe historia familiar de violência e de depressão. Tem sido observado também que o risco de cometer suicídio em famílias com apenas um dos pais é maior do que nas famílias com ambos os pais, principalmente no caso de jovens adultos do sexo masculino (Diekstra, 1997).

Olsson, em 1999, estudou 3 grupos de 75 estudantes cada: um grupo de adolescentes com história de tentativa prévia de suicídio, outro grupo com depressão mas sem tentativas do suicídio e, finalmente, um outro grupo sem depressão. Comparou a existência de problemas na família e atos violentos praticados por adolescentes desses 3 grupos. Problemas de família eram muito mais comuns entre adolescentes do grupo que havia tentado suicídio do que nos outros 2 grupos. Assim como as histórias de abuso físico também foram mais encontradas em adolescentes que haviam tentado suicídio do que entre estudantes deprimidos e saudáveis.

Os adolescentes com tentativas de suicídio tinham cometido mais atos violentos e apresentavam mais Transtornos de Conduta e abuso do álcool do que os outros grupos e houve forte relação entre o abuso do álcool e violência. A conclusão de Olsson foi que os adolescentes com tentativas do suicídio experimentam mais violência da família, em especial abuso físico, e têm um comportamento mais violento do que adolescente deprimido e sadio.

Em resumo, o suicídio na adolescência é um problema grave que exige a atenção de toda a sociedade. É fundamental que os sinais de alerta sejam identificados precocemente! Buscar ajuda de um profissional capacitado é fundamental para ajudarmos os jovens que passam por este problema.

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