Convivência com o Próximo
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Convivência com o Próximo

“Nenhum gesto de gentileza, por menor que seja, é perdido.’
(Esopo)

“Uma pessoa para compreender tem de se transformar.”
(Saint-Exupéry)

“Não penses mal dos que procedem mal, pensa somente que estão enganados.”
(Sócrates)

Um antigo psiquiatra, já falecido, o qual me incentivou nos primeiros passos da psiquiatria, não se cansava de dizer que a maior causa de aborrecimentos do ser humano é outro ser humano, muito embora dissesse também, que a maior causa de alívio desses aborrecimentos é outro ser humano.

Interessa aqui falar um pouco da primeira parte dessa questão, ou seja, da má influência de nosso próximo em nosso estado de espírito. Se a colocação de meu antigo mestre for verdadeira, e parece que é, então para o bem-viver emocional devemos aperfeiçoar nossa capacidade de convivência com nosso semelhante.

Ao falar sobre a capacidade de nossos semelhantes em nos aborrecer estamos falando das frustrações, mágoas e irritabilidade que nossos semelhantes podem produzir em nós. Conforme veremos adiante, de antemão podemos dizer que nossas frustrações, mágoas e irritabilidade, são proporcionais àquilo que esperamos dos outros; quanto mais esperamos, mais sofremos.

Sempre que esse fato é comentado algum paciente pergunta quase angustiado: ¾ então não devemos esperar nada de ninguém? Não, não devemos. E é bom acostumarmos com essa ideia. Quanto mais esperamos de alguém, mais corremos o risco de frustrações, mágoas e irritabilidade.

Portanto, é bom fazermos tudo aquilo que fazemos sem esperarmos nada em troca, fazemos por uma questão de consciência. Se algo de bom vier de nossos semelhantes será um lucro agradável e, se não vier nada, será normal.

O ser humano, apesar dos milhares de anos conseguindo se adaptar à natureza, conseguindo sobreviver às intempéries, aos terremotos, aos animais ferozes, às epidemias e a toda sorte de dificuldades e perigos que o mundo oferece, continua hoje sofrendo e sendo vítima daquilo que sempre lhe pareceu o menor dos perigos: seu semelhante e ele mesmo.

É muito difícil tratar dessa importante questão de nosso relacionamento com os outros e conosco mesmo de forma resumida e prática. Primeiro, devido ao risco de falar o óbvio e aquilo que todos já sabem e, segundo, corre-se o risco de falar coisas desagradáveis de se ouvir.

Durante toda nossa história podemos experimentar algum sofrimento, mágoa ou desencanto com nosso próximo e, não obstante, este sofrimento, mágoa e desencanto serão tão maiores quanto menos nos conhecermos e menos conhecermos nosso próximo. Aliás, conhecer nosso próximo só é possível na medida em que conhecemos nós mesmos.

Uma das maiores dificuldades de convivência entre as pessoas se baseia no fato do ser humano se apresentar um ser social por natureza e, simultaneamente, um ser egocêntrico. Por sermos sociais, somos incapazes de viver sozinhos no mundo e, por sermos egocêntricos somos, ao mesmo tempo, incapazes de conceder aos nossos semelhantes às mesmas regalias que nos concedemos. Portanto, sozinhos não conseguimos viver e, paradoxalmente, com o outro também é difícil.

Para compensar essa peça que a natureza nos pregou, fomos dotados de um atributo muito especial: somos capazes de mudar. Trata-se do livre arbítrio, ou seja, da capacidade de mudanças, de procurar um amanhã melhor que o hoje. Normalmente nossa evolução acontece através de mudanças em posturas e em atitudes diante dos semelhantes e da vida. Neste trabalho vamos falar sobre as dificuldades da pessoa em conviver com seu semelhante e reservamos para outro escrito as questões relativas à convivência da pessoa consigo mesma.

Estando a pessoa sofrendo alguma mágoa ou frustração produzida por outra pessoa ou por circunstâncias do destino, será melhor pleitear uma mudança em sua própria postura diante dos outros e do mundo para que não se magoe e nem se frustre. Essa é a atitude mais sensata psicologicamente falando, principalmente porque o psicólogo não tem acesso e não pode mudar o outro e nem o mundo.

Inicialmente, vamos considerar que a mágoa, o aborrecimento, a irritabilidade e a frustração são sempre de autoria da pessoa que se sente magoada, aborrecida, irritada e frustrada. São sentimentos que nascem na própria pessoa, portanto, a culpa, no sentido involuntário do termo, deve recair sobre quem está magoado, aborrecido, irritado e frustrado. É a pessoa quem alimenta tais sentimentos, é ela quem se deixa magoar, frustrar e aborrecer.
Assim sendo, em termos de sentimentos, o raciocínio mais correto é dizer que a pessoa deixou-se magoar por fulano e não que foi magoada por ele. Não deve ser fulano quem nos irrita, mas sim, nós nos deixamos irritar por fulano. Portanto, como se vê, nossos aborrecimentos têm uma origem dentro de nós, são sentimentos nossos.

Primeiramente, se nos sentimos magoados, aborrecidos, irritados e frustrados sem que essa tenha sido a intenção do outros, a culpa é de nossa sensibilidade. Estão nessa situação os sentimentos de humilhação que experimentamos quando nosso orgulho é ofendido. Ora, estamos falando de nosso orgulho. Ou nos sentimos magoados quando achamos que não estamos sendo gostados o tanto que gostaríamos de ser gostados. Ora, a quantidade que gostaríamos de ser gostados é nossa pretensão, portanto, de nossa exclusiva responsabilidade. Ou nos sentimos frustrados porque o outro não satisfaz nossas expectativas. Ora as expectativas são construídas por nós, portanto, de nossa autoria.

Em segundo lugar, mesmo sendo intenção dos outros nos magoar, humilhar, frustrar ou irritar, se estivermos muito bem conosco mesmo, jamais nos deixaremos abater por tais sentimentos. A fragilidade sentimental (afetiva) favorece nossa vulnerabilidade às más intenções de nossos semelhantes.
Nossas frustrações costumam ser proporcionais às nossas pretensões. Quem deseja ser sempre obedecido incondicionalmente, com certeza terá muitas oportunidades na vida para sentir-se frustrado. Da mesma forma quem deseja ser sempre e por todos compreendido, amado, aplaudido, respeitado, etc. Muitas vezes nos magoamos por sentir que não estamos sendo gostados o tanto que gostaríamos de ser gostados, nos sentimos humilhados por não sermos prestigiados o tanto que achamos que merecemos, e assim por diante.

Uma das causas de nossas frustrações é também a sensação de falta de reciprocidade, ou seja, quando não fazem conosco ou para nós o mesmo que acreditamos ter feito (de bom) aos outros. Isso significa que fazemos alguma coisa na esperança de um retorno com lucro. As pessoas se irritam ao esperar na fila porque, normalmente, não gostam de deixar ninguém esperando por elas. A realidade nua e crua, é que as não gostamos de deixar outros esperando porque não gostamos de esperar, somos gentis no trânsito na expectativa de que sejam gentis conosco, damos esmolas porque não gostamos de nos sentir sem dinheiro, somos honestos porque esperamos honestidade dos outros… Como vemos, nosso parâmetro de bondade, caridade, compreensão, etc. é sempre nós mesmos.

Essas pretensões para que nossos próximos façam isso ou aquilo, que procedam dessa ou daquela forma nascem e existem dentro de nós. Mas, por outro lado, nosso semelhante também tem, tal como nós, suas pretensões. Aliás, as mesmas pretensões que temos. Ora, como poderíamos pretender um equilíbrio harmônico entre duas pessoas que pretendem, simultaneamente, serem ambos admirados, gostados, respeitados, obedecidos, etc. se essas pessoas não entenderem que ambos são iguais? Frustrar-se e magoar-se porque meu próximo também pretende ser admirado, gostado, respeitado e obedecido é, no mínimo, um grande contra-senso.

Para entendermos nosso semelhante basta consultarmos nossas próprias pretensões, pulsões, inclinações e anseios (é por isso que ele se chama nosso semelhante). Portanto, tudo começa com a consciência à respeito de nós mesmos.

 

1- Irritar-se e Magoar-se com Nosso Próximo

Temos que dividir essa questão em 3 tipos de próximos:

a) os muito próximos, que são aqueles com quem convivemos mais intimamente;
b) os socialmente próximos, que são as pessoas com as quais nos relacionamos, de uma forma ou outra, na vida em sociedade e;
c) os pouco próximos, que são as pessoas em geral, representantes de nossa espécie ou de nosso grupo social com os quais não temos um contacto direto.

A – Os muito próximos

Estão incluídas aqui os familiares mais próximos, como os cônjuges, filhos, pais, irmãos e amigos íntimos. Sendo esse outro uma pessoa muito próxima, alguém de quem gostamos, nossa exigência para com ele será maior, e será tão maior quanto maior for nosso apreço a ele.

Esses muito próximos normalmente nos irritam porque sentem frio ou calor demais, são desorganizados, deixam a torneira pingando ou implicam com a torneira que deixamos pingando, apertam o tubo de creme dental no meio ou se irritam quando fazemos isso, chegam tarde, não dão flores, não valorizam nosso serviço, não gostam das coisas que gostamos, não são tão responsáveis quanto nós, são muito exigentes, têm péssimo gosto musical, se preocupam com besteiras, são muito despreocupados, não retribuem tudo o que lhes fazemos, não têm sentimentos de gratidão para conosco, não nos compreendem, não gostam de nós o tanto que gostamos delas, não lembram datas importantes para nós, não odeiam as pessoas que odiamos, conseguem ficar indiferentes quando estamos irritados e assim por diante.

Exigimos dos nossos muito próximos que concordem com nossos mesmos princípios e pensamentos senão, obviamente, estão errados. Exigimos que se comportem, pensem e julguem tal como faríamos e se, porventura estiverem em desacordo com esse ser especial que somos nós, será motivo suficiente para nos irritar.

Para estarmos de bem com nossos muito próximos, até seus sentimentos devem ser iguais aos nossos: devem antipatizar-se com as pessoas das quais não gostamos, devem achar imoral aquilo que achamos, devem preferir tudo aquilo que preferimos e desprezar tudo que não gostamos, devem ser muito gratos à nós e nos gostar na medida em que achamos justo e assim por diante.

Exigimos dos muito próximos que nossos desejos não sejam apenas atendidos, mas também adivinhados, sem que tenhamos de explicar quais são esses desejos, pois, explicando e pedindo uma postura desejável não seria espontâneo, como gostaríamos que fosse. É muito importante que nosso muito próximo saiba exatamente o que nos agrada, tenha nossa mesma escala de valores e faça seus julgamentos com nossos mesmos critérios.
Há pessoas que não se dão conta dessa nossa exigência desmedida em relação ao nosso muito próximo. Consideram a mágoa e irritabilidade provocada em nós por nosso muito próximo como uma resposta emocional correta, adequada às injustiças e às questões de certo e errado. Mas, quais são esses critérios de justiça, de certo e de errado?

Ora, seria um enorme contra-senso nós, pessoas maravilhosas que somos, estarmos defendendo conscientemente o injusto e o errado. Supomos, então, que tudo aquilo que pensamos e julgamos é certo e justo. Entretanto, este certo e justo são frutos exclusivos de nosso ponto de vista e não do ponto de vista de nosso próximo.

Na realidade nos magoamos muito quando nossas expectativas em relação ao nosso muito próximo não são satisfeitas, quando ele não se comporta do jeito que comportaríamos se fôssemos ele. Nos magoamos quando ele não sente o mesmo que sentiríamos se fôssemos ele. Resumindo, nos magoamos sempre que este nosso muito próximo age, pensa e se comporta diferente de nós mesmos, diferente daquilo que desejamos, diferente daquilo que achamos certo, enfim, diferente de nós.

É sadia a ideia de não ser nosso próximo quem nos irrita, mas sim, nós quem nos deixamos irritar por ele. Sempre que nosso muito próximo proceder de forma contrária àquilo que esperamos dele nos irritamos. Esse ser tão especial como nós, jamais poderá ter seus conceitos, ideias e julgamentos contrariados.

Isso nos faz voltar à questão de nossa frustração ser proporcional às nossas pretensões. Se pretendemos que nosso muito próximo seja como nós, pense igual à nós, julgue como nós e dê valor às coisas absolutamente como nós, podemos nos considerar frustrados e irritados desde já, pois, ele não é nós, ele é ele. Não adianta nos frustrarmos diante da eventual ingratidão desse nosso muito próximo para conosco, apesar de tudo o que fazemos por ele. A pretensão da gratidão e de reciprocidade nasce em nós. Também não adianta nos frustrarmos porque nosso muito próximo não antipatiza com as mesmas pessoas que nos são antipáticas ou não goste tanto das pessoas de quem gostamos; seus sentimentos são diferentes dos nossos.

Não há erro no fato de nosso muito próximo ser diferente de nós, ou seja, ele não é culpado pelo simples fato de ser uma pessoa diferente de nós. O erro é pretendermos que ele seja como nós e essa pretensão para que ele seja como nós é nossa, ou seja, a culpa por estarmos decepcionados, magoados e irritados é nossa.

Diante da irritação e mágoa proporcionadas por esse nosso muito próximo diferente de nós, podemos ter duas atitudes possíveis:

1 – Pretender uma mudança em nós mesmos de forma a aceitar nosso próximo tal como ele é e sem que isso nos magoe, nos irrite ou nos frustre ou;

2 – Pretender uma mudança em nosso muito próximo de forma a torná-lo mais parecido com aquilo que gostaríamos que fosse e, com isso, sofrermos menos.

Essas duas questões merecem uma reflexão maior. Nem uma nem outra atitude deve ser absoluta e definitiva. Devemos avaliar uma posição sensata e intermediária, analisar os custos (emocionais) e os benefícios para optar entre uma coisa e outra.

 

B – Os Socialmente próximos

Socialmente próximos são aqueles com os quais convivemos em sociedade, mas não temos uma convivência mais íntima. São pessoas com as quais convivemos nas filas, no trânsito, no trabalho, nas aglomerações, nos estádios, nas igrejas, na rua, na festa, enfim, pessoas que fazem parte da sociedade na qual vivemos.

A tensão e o stress são manifestações emocionais possíveis e importantes que resultam de nossa desarmonia com esses nossos socialmente próximos. Depois de um dia cheio, de uma semana agitada, enfim, depois de algum tempo vivendo a agitação da vida moderna, o esforço que fazemos em conviver com esses nossos semelhantes acaba resultando em tensões emocionais importantes.

Nesta questão é fundamental nos adaptarmos à vida em sociedade. Muito embora as situações da vida moderna dos grandes centros despertem em nós um certo inconformismo, devemos nos manter sempre adaptados à nossa realidade. Caso essa adaptação não seja satisfatória corremos o risco de adoecer, tanto emocionalmente quanto fisicamente.

Saber a diferença entre o conformismo e adaptação é muito importante para adotar uma atitude sadia. Aceitar com indiferença a situação presente, sem nenhuma energia para procurar mudanças é estar conformado. Isso não é sadio e não contribui para melhorar nossa vida e nossa personalidade. Reclamar, protestar, achar que não está bom e procurar novas atitudes deve fazer parte de um inconformismo sadio e desejável de cada um.

Por outro lado, adoecer e passar mal devido às circunstâncias adversas atuais é, não apenas estar inconformado, mas, também, estar desadaptado. Diante do trânsito congestionado, de uma fila grande e demorada, das dificuldades do cotidiano devemos estar sempre inconformados e, por causa disso, procurar mudar alguma coisa no sentido de nosso amanhã ser melhor que hoje. No entanto, ficar hipertenso, taquicárdico, com palpitações, com ansiedade exagerada, pânico, etc., devido à essas dificuldades é estar desadaptado.

A adaptação ao nosso socialmente próximo depende da nossa consciência sobre a natureza de nossos semelhantes, consciência esta baseada sempre na consciência que temos de nós mesmos. É muito comum reprovarmos nos outros atitudes que não temos necessidade, coragem ou não nos permitimos tomar. Algumas dessas atitudes que reprovamos nos outros resultam de inclinações e pulsões que nós também temos, mas, por uma questão ou outra, não nos permitimos realizar.

Ambição, desejo de vantagem, desejo de ser gostado, respeitado, ouvido, prestigiado, retribuído, agradecido, etc., são pretensões que não existem apenas em nossos semelhantes. Elas estão muito presentes em nosso próprio ser. A única diferença é que, em nós, essas aspirações naturais se manifestam de maneira diferente.

Ora, se eu tenho que chegar ao balcão do açougueiro mantendo-me pacientemente na fila, irrita-me constatar que alguém lá chegou passando na frente. Esse alguém tem o mesmo desejo que nós de ser atendido logo e seus métodos ousados produzem irritação em nós, incapazes que somos de agir igual . É nossa expectativa de reciprocidade não atendida a causa do sentimento. Diz um ditado que o condenado se consola na dor do semelhante.

Se acreditamos que somos rápidos no caixa do banco, irrita-nos a demora do cliente à nossa frente. Ele tem a tranquilidade de tratar de seus assuntos sem se preocupar com os demais, coisa que não nos permitimos. Estar inconformado com situações assim é natural e normal. Esse inconformismo faz protestar, reclamar, procurar outros horários, enfim, tentar mudar alguma coisa. Estar desadaptado a essas situações significa, além do inconformismo, também ficar extremamente angustiado, com dor de estômago, pressão alta, deprimido, etc.

Quando nossos semelhantes conquistam os mesmos objetivos que gostaríamos de conquistar utilizando métodos diferentes dos nossos, temos tendência a nos desagradar. Causa constrangimento saber que nosso semelhante chegou onde queremos chegar usando algum atalho que não soubemos ou não nos permitimos usar. Irrita saber que ele fez o mesmo que fizemos ou mais, gastando menos, com menos esforço, com mais sucesso…

Para justificar nossas mágoas, irritabilidade ou frustrações com nosso socialmente próximo costumamos alegar questões de justiça, do certo e do errado. Voltamos a enfatizar a grande diferença que há entre as pessoas sobre esses conceitos de justiça, de certo e de errado.

Motoristas, por exemplo, que estacionam em fila dupla para apanhar o filho na saída da escola ou atravessam o sinal fechado, justificam essas atitudes à si próprios com motivos e alegações plausíveis, muito embora sejam contravenções às leis do trânsito. Podem haver razões pessoais para se acharem certos, entretanto, as pessoas que não necessitam recorrer à essas atitudes ou conseguem outras alternativas se irritam com isso.

Não faltam justificativas pessoais para aqueles que furam fila, que jogam lixo em locais indevidos, que não dão esmolas ou que dão, aqueles que trafegam muito lentos ou muito rápidos, enfim, as circunstâncias de cada um determinam atitudes amplamente justificáveis para si mesmos.

Alguns chavões sócio-culturais que ninguém ousa contestar podem ser usados para justificar muitas atitudes, como por exemplo, a segurança pessoal, a segurança dos familiares, a estabilidade econômica, as urgências cotidianas que obrigam tomar esta ou aquela atitude, a carência, fome, desemprego, etc. Enfim, na cabeça de nosso socialmente próximo sempre há uma justificativa pessoal para que ele proceda dessa ou daquela forma, mas, para nós, que não vivemos sua realidade, essas justificativas não são válidas e acabam nos irritando.

Para melhorar a convivência com nossos socialmente próximos precisamos melhorar nossa adaptação. Como dissemos, é permitido e até desejável estarmos inconformados com alguns desses nossos semelhantes, inconformados com o fato de termos de engolir alguns desses nossos socialmente próximos com seus métodos estranhos de se portarem. O inconformismo é importante para nos empenharmos em mudanças e novas atitudes numa tentativa de melhorar nosso amanhã. Entretanto, a compreensão, complacência e tolerância são as armas com as quais lutaremos para nos adaptar e nos manter sadios.

Um dos argumentos possíveis para que tenhamos a compreensão, a complacência e a tolerância necessárias à adaptação é a valorização consciente de nossa saúde e bem estar. Considerando que a saúde e o bem estar são nosso patrimônio mais valioso, colocá-lo à mercê de terceiros é um risco muito grande. Permitir que pessoas outras, nem tão íntimas, nem tão queridas, possam comprometer nosso maior patrimônio e, indiretamente, comprometer o bem estar de nossos familiares é muito insensato.

Ao permitirmos que as querelas do cotidiano, que atitudes corriqueiras ou pouco importantes de nossos socialmente próximos nos magoe, aborreça ou irrite, estaremos colocando nosso bem estar, nossa felicidade e até nossa saúde nas mãos de pessoas desconhecidas, de pessoas que não se importarão nem um pouco com nossa pessoa e, muito menos com nosso estado.

De fato, para nos mantermos imunes às influências danosas que aqueles socialmente próximos são capazes de exercer sobre nós, devemos alimentar um estado de espírito (humor ou estado afetivo) elevado o suficiente para não nos sensibilizarmos com suas atitudes.

É bom lembrar sempre que nosso coração é muito importante para fazê-lo sofrer por alguém que nem conhecemos muito bem ou nos é totalmente estranho. O mesmo se aplica à nossa pressão arterial, ao nosso estômago, enfim, todo nosso ser é demasiadamente importante para nos submetermos à estranhos. É bom lembrar sempre que nossa imunidade depende exclusivamente de nós mesmos e não de nossos socialmente próximos. Somos nós quem nos concedemos ou não essa imunidade.

 

C – Os pouco próximos

Ter sentimentos desagradáveis proporcionados por pessoas que não estão se relacionando diretamente conosco, como por exemplo, com a atuação da justiça, com o Congresso Nacional, com movimentos políticos, com os conflitos internacionais, com a fome no mundo, com as notícias do dia-a-dia, etc., mostra sempre uma afetividade muito sentimental.

Na realidade, quando a pessoa já não suporta mais ouvir noticiários, ler jornais ou saber de certos fatos sem se emocionar exageradamente, é porque está muito desadaptada.

De fato, algumas notícias emocionam muito, causam perplexidade ou outros tipos de sentimentos, mas, de qualquer forma, embora possamos lamentar, protestar, reclamar e manifestar nosso constrangimento, não é normal adoecermos por causa delas.

Normalmente quando uma pessoa se queixa de não poder mais tomar contacto com notícias, quando questiona nossa sociedade e se entristece muito com o comportamento e com as atitudes da espécie humana em seus diversos segmentos, é porque está muito sensível e sentimental comumente está deprimida.

Vendo notícias da fome em alguns países, por exemplo, ou tomando contacto com imagens de pessoas sofrendo privações, carências ou injustiças, todos nós experimentamos sentimentos constrangedores e até tristeza franca. Esses sentimentos engrandecem as pessoas e mostram nobres sentimentos, no entanto, não podemos adoecer por isso. Não podemos sofrer de insônia, ter crises de choro exagerado, apresentar episódios de pânico, manifestar hipertensão arterial, gastrite ou qualquer outro sintoma patológico.

Nesses casos, além do tratamento médico indicado, recomendamos ter em mente as incontáveis e meritosas exceções que existem em nossa espécie. Devemos nos lembrar das incontáveis pessoas (normalmente anônimas) que fazem a vida valer a pena. Essas exceções nos animam a continuar acreditando em nossos semelhantes e nos dão forças para valorizar o mundo no qual vivemos.

 

1 -Mudar nós mesmos

Entendendo a possibilidade, mais do que certa, das mesmas coisas representarem algo diferente em diferentes pessoas, seremos mais compreensíveis com nosso muito próximo e sua maneira pessoal de sentir o mundo. De qualquer forma, tentar conviver com nosso muito próximo do jeito que ele é, compreendendo-o e aceitando seus sentimentos, sua maneira de pensar e de agir requer boa dose de abnegação e complacência.

Para essa tentativa de convivência precisamos mudar algumas coisas em nosso interior. Precisamos, principalmente, nos despojar do orgulho, da vaidade e da presunção. Há pessoas que não abrem mão desses sentimentos da alma humana (do Ego) alegando o risco de anularem suas personalidades, como costumam dizer. Trata-se de uma afirmativa mais retórica que real. Não se anula personalidade alguma, antes disso, constrói-se uma personalidade solidamente imune à alguns tropeços da natureza humana.

Abrir mão de nosso orgulho, de nossa vaidade e de nossa presunção não é tarefa fácil. É instintivo que a natureza humana se deixe conduzir por tais atributos e toda iniciativa contrária a eles é trabalhosa. Tudo o que eleva a pessoa é mais trabalhoso que aquilo que degenera.

Aceitar o fato de que minha opinião possa não ser a melhor, mas apenas minha opinião, que minhas atitudes possam não ser as mais certas, mas apenas minhas atitudes, que meu muito próximo possa gostar dele o mesmo tanto que gostamos de nós, enfim procurar fazer com que nosso ego se realize na humildade e não dependa de adulações são tarefas tão ou mais difíceis que tentar mudar meu muito próximo.

Ao tentar mudar os outros sabemos para quem e em qual direção devemos apontar nosso arsenal, mas, em se tratando da mudança em nosso próprio ser, constatamos que nosso maior adversário encontra-se dentro de nós mesmos. De fato, tentar mudar a nós mesmos pode ser mais difícil que tentar mudar os outros.

O ideal seria não sofrermos quando a maneira de ser de nosso muito próximo fosse diferente da nossa. Há pessoas privilegiadas que conseguem conviver naturalmente com seu próximo por possuírem uma personalidade nobre. Quando não for esse o caso, conseguiremos conviver com nosso muito próximo produzindo mudanças favoráveis em nosso ser, como dissemos. Estaremos, assim, construindo uma personalidade também nobre.
Entretanto, não sendo possível empreendermos mudanças favoráveis em nosso ser, impossibilidade normalmente devida ao nosso gênio irascível, ou quando a maneira de ser de nosso muito próximo for decididamente irreconciliável com a nossa, devemos ponderar a seguinte questão: O grau de proximidade desse nosso muito próximo é suficiente para convivermos obrigatoriamente com ele?

Se for definitivamente obrigatória a convivência com esses nossos muito próximos, devemos saber dosar nossa postura: por um lado, dosar nossos esforços no sentido de modificá-los e influenciar sensatamente o jeito de serem e, por outro lado, exercitar nossa complacência, tolerância e compreensão.

Não sendo obrigatória a convivência com esses nossos muito próximos e não se conseguindo mudanças significativas em sua maneira de ser, nem em nossa, planos devem ser elaborados para nos livrarmos dessa proximidade.

 

2 – Tentar mudar nosso muito próximo

Ter noção do quê é possível mudar em nosso muito próximo é uma questão de sabedoria. Primeiro devemos saber que os sentimentos são mais difíceis de serem mudados que os comportamentos. Isso significa, por exemplo, ser mais fácil convencer nosso muito próximo a não deixar a lâmpada do banheiro acesa ao sair (comportamento) do que convencê-lo de que isso é muito importante (sentimento) ou ainda, ser mais fácil convencê-lo à tratar bem uma pessoa de quem gostamos (comportamento) do que fazê-lo também gostar dessa pessoa (sentimento).

Em segundo lugar, é bom saber que seria muito mais sensato procurar entender e conviver bem com os sentimentos de nossos muito próximos do que pretender mudá-los.

Uma das maneiras para entender e conviver bem com os sentimentos de nosso muito próximo é procurar nos colocar em seu lugar. O mais correto para entender seus sentimentos é procurar se sentir como se fôssemos ele, nas circunstâncias dele, com o temperamento dele, vivendo a situação dele… e não pretender que ele tenha sentimentos como se fosse nós, pretender que ele se sinta de acordo com nosso temperamento e nossa situação.
A pretensão para que nosso muito próximo se sinta culpado, errado, arrependido, mal agradecido, etc., como às vezes gostaríamos que se sentisse, dificilmente será satisfeita, pois, tal como nós, ele também gosta de seu próprio ego como gostamos do nosso. Ele também se acha certo e com razão.
A pretensão para que nosso muito próximo goste de nós tanto quanto desejamos (e achamos justo), também pode não ser possível, pois, pelo fato dele ser ele, não sabe o tanto que gostaríamos de ser gostados. Isso é o mesmo que dizer: se eu fosse ele eu gostaria muito de mim, seria grato a mim mesmo, acharia que estou muito certo…

Para não nos magoarmos, irritarmos ou frustrarmos com nosso muito próximo é importante termos em mente que ele sente as coisas de acordo com sua personalidade, com sua idade, com suas circunstâncias, suas idéias, sua cultura, seu sexo , etc. É importante termos em mente que esse nosso muito próximo não está errado por sentir as coisas ao seu modo. Nós erramos por termos a pretensão para que ele tenha outros tipos de sentimentos, portanto, ao sofrer por nosso muito próximo, muitas vezes estamos sofrendo por nossas pretensões.

Quando não conseguimos viver bem com os sentimentos de nosso muito próximo devemos estudar a possibilidade de alguma mudança e, para tal, podemos recorrer a elementos valiosos. O diálogo, a conversa franca, a exposição de nossos próprios sentimentos, de nossas expectativas contribuem para que nosso muito próximo venha a reavaliar seus sentimentos, venha a perceber as coisas de um modo diferente, de uma maneira que nos agrade mais ou, no mínimo, que se disponha a discutir essa questão conosco.

De um modo geral, não devemos considerar a mudança dos sentimentos de nosso muito próximo como única condição à nossa boa convivência. Se acontecer alguma mudança, será algo excepcionalmente agradável às nossas exigências e, não acontecendo, o melhor será investirmos na possibilidade de mudar nosso modo de ser.

 

3 – Agredir o Próximo

O ser humano pertence, biologicamente, ao reino animal e reagir à agressão faz parte da biologia animal. Entre nós são raríssimas as pessoas capazes de oferecer a outra face. De qualquer maneira, há uma forte tendência em agredirmos quando nos sentimos agredidos, portanto, nossa agressividade (excetuando-se transtornos de personalidade) depende do fato de nos sentirmos agredidos. Sentir-se ou não agredidos, como gostamos de enfatizar, depende muito da sensibilidade e do bem estar íntimo das pessoas.

É sábio o ditado: quem está bem consigo não incomoda nem não se incomoda com os demais. Sentir-se agredido vai depender muito do quanto somos sensíveis à crítica, à contrariedade e à frustração.

Se tivermos uma parte de nosso corpo ferida, por exemplo, qualquer coisa que esbarrar aí causará dor. Isso que dizer que nossas feridas são mais sensíveis que a pele sadia e, mesmo sendo boa a intenção de quem nos esbarra, sentiremos dor.

Excetuando-se as lamentáveis questões da violência urbana, concreta e atuante de nosso cotidiano, se nos sentimos demasiadamente agredidos em nosso relacionamento social, ocupacional ou familiar, normalmente é porque temos feridas íntimas e profundas. Nesse caso, a dor depende mais de nossa sensibilidade do que da intenção de nosso pretenso agressor.

Mesmo havendo em nosso pretenso agressor intencionalidade em nos agredir, essa intencionalidade se perderá no vazio se não nos sentirmos agredidos. Portanto, não nos sentir agredidos pode ser a melhor defesa contra as intenções de outros em nos agredir. Dificilmente as pessoas com auto-estima equilibrada se sentirão agredidas. Podemos citar alguns casos cuja sensibilidade exagerada predispõe à sensação de estar sendo agredido.
Pessoas culturalmente menos privilegiadas têm demonstrado mais sensibilidade às agressões sociais. Por se tratar de pessoas que naturalmente já se sentem oprimidas e agredidas de fato pelas circunstâncias existenciais, qualquer coisa do cotidiano poderá lhes parecer como mais uma agressão, apesar de nem sempre se tratar, de fato, de algo intencionalmente agressivo. Evidentemente tendem à revidar agressivamente à pressuposta agressão sentida.

Pessoas orgulhosas e arrogantes também se mostram especialmente sensíveis às agressões. Elas costumam interpretar como afrontosas e humilhantes atitudes desprovidas dessa intencionalidade. São pessoas portadoras de um Ego demasiadamente espaçoso o qual, quando muito grande, acaba esbarrando em muito mais obstáculos do cotidiano do que um Ego melhor dimensionado.

De fato, quem tem consciência plena e honesta de sua dimensão, seja de sua pequenez ou grandiosidade, não pleiteia adulações. Jamais se sente humilhado ou diminuído. Quem tem clara e sincera noção de sua dimensão, seja ela grande ou pequena, não se sentirá frustrado se as mesuras e deferências do sistema confirmarem ou não o seu tamanho.

Ou a pessoa é, de fato, humilde o suficiente para aceitar sua pequenez como uma coisa inerente ao ser humano em geral diante da vida, portanto, sem necessidade de buscar no sistema adulações que a façam parecer maior do que é ou, de outro jeito, tem nítida consciência de sua grandiosidade como pessoa digna e íntegra e não depende do reconhecimento público para reforçar seu Ego.

De qualquer forma, em qualquer um dos casos, trata-se de um grau de consciência suficientemente sólido para que a auto-estima seja emancipada da avaliação de terceiros. Ora, não se sentindo agredido, o ser humano não necessita revidar agressivamente para manter sua dignidade.
Também as pessoas portadoras de estado depressivo, as quais têm como conseqüência um rebaixamento da auto-estima tendem magoar-se demais diante da vida. Os deprimidos podem tomar como ofensivas atitudes neutras ou até amistosas. Tendem a se sentirem menos queridas, mais discriminadas, menos valorizadas do que são, portanto, sentem-se mais agredidas. Nesses casos agridem mais.

Quando falamos nesse tipo de agressão não estamos falando apenas da agressão com violência, necessariamente. Às vezes o simples silêncio, o descaso ou a indiferença tem uma séria intenção agressiva e, de fato, acabam agredindo mais que uma atitude violenta. Mostrar-se plenamente feliz ou absolutamente calmo quando alguém suplica por um pouco de solidariedade aos seus sentimentos de angústia também pode agredir. Isso quer dizer que, muitas vezes, o não fazer nada agride mais que o fazer qualquer coisa.

 

Aprendendo a Dizer Não
Geraldo J. Ballone

Dependendo do grau de submissão que sentimos em relação à opinião dos outros sobre nós mesmos, percebemos maior ou menor dificuldade em dizer não. As vezes essa dificuldade é conseqüência do medo de parecermos egoístas, grosseiros, chatos, difíceis de lidar ou coisas assim.

É fundamental para nosso bem-estar e para nosso senso de liberdade sabermos dizer não ou, caso contrário, podemos arriscar boa parte de nossa felicidade (e até da felicidade de nossos familiares) em função do outro.

Além das dificuldades que aparecem ao tentarmos conciliar a sobrecarga dos afazeres de tudo aquilo que nos pedem e que não tivemos coragem de dizer não, corremos o risco também de nos frustrarmos ou deprimirmos diante da sensação de estarem se aproveitando de nós. Outras vezes não conseguimos dizer não por temermos que, se recusarmos um pedido de alguém, essa pessoa vai deixar de gostar da gente, ou por temermos que o outro tenha alguma atitude agressiva.

Na realidade esses temores de que pensem algo pejorativo a nosso respeito, só por recusamos alguma coisa, é um sentimento que nasce primeiro dentro de nós mesmos e, em seguida, acabamos projetando nos outros como se deles se originasse. Indiretamente é um indício de insegurança ou, pior, de alto-estima baixa.

Dizer sempre sim, por qualquer motivo que seja pode trazer outros tipos de problemas. Concordar só para ter a imagem pessoal melhor aceitável e depois descobrir que não podemos cumprir o prometido costuma ser muito pior que dizer um não decidido e educado logo de início. Concordar com tudo e perceber depois que estamos tendo de fazer alguma coisa completamente contrário à nossa vontade, pode gerar conflitos de conseqüências emocionais muito danosas. Ainda há o risco de fazermos alguma coisa contrariados e, portanto, muito mal feita. Sem dúvida, isso não vai melhorar nossa reputação e nem tampouco agradar os demais como pretendíamos.

Estando nossa auto-estima satisfatória, teremos consciência de que os outros, principalmente aqueles que convivem conosco, já têm razões de sobre para nos julgar positivamente, para reconhecerem nossa competência, capacidade e nossos valores independentemente de nossa pretensa servidão incondicional. Aliás, é bom que a opinião dos outros sobre nossa pessoa tenha outras razões de admiração além da simples servidão.

Todo mundo tem uma certa necessidade der ser amado e admirado, mas essa necessidade é tão mais presente quanto mais dúvidas temos de estarmos, de fato, sendo amados e admirados. Ora, essas dúvidas surgem em pessoas inseguras e com algum prejuízo da auto-estima.

Há várias maneiras de dizer não sem depreciarmos nossa imagem pessoal. Arranjando desculpas mentirosas é a pior delas e não costuma funcionar por muito tempo. Um não, firme, incisivo e ao mesmo tempo educado e gentil é a maneira que melhor funciona. Frases do tipo “… gostaria muito de fazer isso para você, entretanto, infelizmente, já havia marcado um compromisso anteriormente…” Ou então, “… gostaria muito de fazer isso para você, entretanto, infelizmente, tenho que terminar algumas coisas antes e não poderei fazer o que me pede da maneira como gostaria…” ou, por exemplo “… eu teria imenso prazer em emprestar-lhe esse dinheiro se não estivesse completamente duro no momento…”.

Os reais motivos para o não devem ser disfarçados por aquele que nega, tendo em vista dois fatores: primeiro devido à própria natureza humana e, em segundo lugar, o modelo dos papéis sociais. Vamos explicar:

O que poderia acontecer se disséssemos, com sinceridade o real motivo para o não, tal como, por exemplo “… não me sentiria bem fazendo isso…” ou ainda “… preferia não fazer isso que me pede…” O outro, tal como nós mesmos, sempre se acha certo no direito de pedir, sempre acha que os demais poderiam ser colaborativos, sempre acha que não custa nada aos outros fazerem o que pedem, portanto, preservando o que achamos justos para nós, pareceremos ao outro estarmos sendo arrogantes, egoístas, com má vontade e coisas assim. Desista de achar que o outro entenderá e respeitará sua opinião sobre aquilo que nos daria melhor bem-estar, principalmente quando nosso bem-estar contraria o bem estar desse outro.

Em segundo lugar, o modelo dos papéis sociais implicam em desempenharmos socialmente atitudes já esperadas no contrato social. Dizer que não podemos fazer porque estamos sobrecarregados, que estamos desconfortáveis de alguma forma, que estamos em alguma desvantagem e por isso não podemos fazer o que nos pedem, embora até gostássemos de fazer, terá sempre um efeito muito mais justificável do que não fazer apenas porque não gostamos de fazer ou porque preferimos não fazer. A sinceridade absoluta não é uma postura socialmente bem compreendida, embora seja demagogicamente recomendada como mérito. A sinceridade só tem mérito quando não contraria expectativas.

À primeira vista essa orientação pode parecer um estímulo à mentira. Na realidade é mais um estímulo à convivência social. Alguns psicólogos que tratam do assunto recomendam que a pessoa seja assertiva, faça argumentações sinceras para não sofrer conflitos e não se achar mentiroso. Mas nós estamos estimulando a convivência social e incentivando a pessoa a dar-se bem com seu próximo.

Vejamos o caso de você dizer à outra pessoa “… seja franco e sincero; você poderia me emprestar algum dinheiro?”. O que você sentiria se, apesar de ter pedido (demagogicamente) sinceridade, esse alguém lhe respondesse “… não, não empresto dinheiro à você porque não quero emprestar, apesar de tê-lo…” ou então, “…não empresto dinheiro à você porque tenho por princípio não emprestar dinheiro aos outros…”? No primeiro caso, além de arrogante e egoísta, a pessoa parecerá também sovina, insensível e desumana, apesar de responder com a pura verdade, no segundo caso, além de arrogante (no direito de ser cheia de princípios), foi pior ainda por considerar você, essa pessoa tão especial, simplesmente junto com todos “os outros”.

Esse capítulo trata de APRENDER A DIZER NÃO e não COMO DIZER NÃO. Como dizer não, todos já sabemos, mas aprender a dizer não de forma a preservar nossa convivência com o próximo e, consequentemente, conosco mesmo, precisa ser aprimorado. Na realidade, trata-se de uma maneira de não fazer tudo o que nos pedem, sem ter que dizer não ostensivamente. Pode não ser politicamente correto, mas funciona.
Enquanto alguns psicólogos são à favor da verdade absoluta, atribuindo à pessoa o direito de dizer não sem se sentir culpada, citando sempre motivos francos e sinceros, estamos proporcionando meios de dizer não sem que os outros julguem você culpado.
Para dizer não, algumas regras simples devem ser observadas:

  1. Não comece pedindo desculpas. Isso poderá sugerir um eventual sentimento de culpa.
  2. Pergunte a si mesmo se o pedido parece-lhe razoável e se você quer mesmo aceitá-lo ou não. Sempre que tiver dificuldade em se decidir, provavelmente sua vontade sincera é pelo não.
  3. Se precisar de mais detalhes, peça-os antes de decidir.
  4. Se chegar à conclusão de que deseja dizer não, faça-o sem rodeios.
  5. Seja breve, dê sempre uma explicação, mas que pareça mesmo uma explicação e não uma série de desculpas.
  6. Muitas vezes não basta dizer não. Se desejar ajudar o outro (ainda que não queira fazer o que lhe pediu), ouça com atenção o que ela tem a dizer, exponha o motivo de sua negativa e veja se pode ajudar a encontrar outra solução para o problema.

 

Causas da dificuldade em dizer não?

 

Auto-Estima Baixa

Com prejuízo da auto-estima, fato que pode ocorrer tanto nos estados depressivos quanto nas personalidades com traços mais introvertidos e sentimentais, geralmente a pessoa se percebe de maneira autodepreciada. Normalmente essas pessoas acabam se escravizando pela opinião dos demais a seu respeito.

Como todos nós temos uma tendência a projetar nos outros nossas opiniões, ou seja, entendemos como se fosse deles opiniões que são nossas, as pessoas com auto-estima baixa acreditam que os outros também as vêm negativamente. Quando nos sentimos chatos, desinteressantes e pouco confiáveis, temos a nítida impressão de que os outros também nos vêm assim. Uma tentativa (errada) de melhorar nossa imagem é procurando atender nosso próximo em tudo o que ele quiser da gente. Isso gera uma dificuldade enorme em dizer não.

Podemos tentar melhorar a auto-estima de várias maneiras. As duas principais são a medicamentosa, quando a auto-estima baixa é conseqüência de algum estado depressivo, ou a maneira comportamental, quando se trata de um traço de personalidade.

Comportamentalmente podemos tentar melhorar nossa auto-estima fazendo uma lista das coisas das quais nos orgulhamos. Quais nossos valores, nossas habilidades, nossas coisas boas? Façamos uma lista de nossas transformações para melhor ao longo dos anos. Todos nós temos coisas boas a lembrar, seja nosso próprio crescimento pessoal, espiritual, material, seja termos simplesmente supera-do o medo de água e aprendido a nadar, seja o nascimento de nossos filhos, enfim, listemos aquilo de bom que faz parte de nós ou que nos rodeia.

Lembremos que temos o direito de sentir orgulho de nós mesmos, das coisas que conquistamos e da pessoa na qual nos tornamos. Vamos adquirir o hábito de lembrar dessas nossas conquistas e entender que se alguém tenta nos humilhar estará, na verdade, expondo os próprios sentimentos de inferioridade. Vamos procurar entender que, na maioria das vezes, nós é que estamos nos permitindo sentir humilhados e não sendo humilhados de fato.

Medicamentosamente podemos melhorar a auto-estima quando nossa auto-imagem negativa é conseqüência de alguma alteração humoral ou afetiva, como são os casos, por exemplo, da depressão, do estresse, da tensão ou do esgotamento.

 

Insegurança

Muitas vezes temos dificuldade em dizer não, supondo que isso poderá resultar num severo prejuízo, como por exemplo, a perda da amizade, do emprego, da admiração ou da simpatia. Quando é nossa insegurança a responsável pelas dificuldades em dizer não, devemos lembrar que se não confiamos em nós mesmos, nossa própria postura diante dos demais poderá demonstrar esse acanhamento de caráter.

E como deixamos transparecer aos outros nossos sentimentos tão íntimos?

Isso se chama comunicação interpessoal. Uma pequena porcentagem de nossa comunicação com o próximo se deve ao discurso ou à palavra. A maior parte dessa comunicação se deve à maneira com a qual as palavras são ditas, se deve ao tom, timbre, freqüência e entonação da voz e, finalmente, à nossa mímica corporal. De um modo geral, acredita-se que apenas 7% de nossa comunicação se deve à compreensão das palavras, 13% dependem da voz (entonação, etc) e 80% da linguagem corporal. Seja pelas palavras, pelo tom de voz ou pela linguagem corporal, nossa falta de autoconfiança sempre será anunciada.

Outra questão importante é o fato das pessoas se sentirem muito ansiosas ao desconfiarem que os outros estão percebendo sua falta de segurança. Para esses casos, a sinceridade talvez seja a solução. Diferentemente do que foi dito acima, nestes casos alivia muito sermos francos o suficiente para confessar ao outro estarmos sentindo grande ansiedade neste momento. Isso demonstra, ao lado da confissão de nossa ansiedade, uma coragem compensatória ao termo liberdade em anunciar estarmos sim “nervosos”. Esse aspecto de nossa personalidade pode nos fazer parecer altamente confiáveis aos demais.

Normalmente, o esforço para dissimular um “nervosismo” acaba por gerar grande tensão emocional, muitas vezes com repercussões físicas, tais como dores de cabeça, de estômago, na nuca, tontura, falta de ar, etc., e até sensação de desmaio nos casos mais sérios.

A insegurança também deve ser abordada por duas medidas principais. Tal como a auto-estima baixa, a insegurança deve ser abordada de forma comportamental e medicamentosamente. Comportamentalmente devemos pensar no desempenho de nosso papel social. Parecer que estamos com fome pode resultar mais em comida que estarmos com fome sem parecer, parecer que somos honestos rende mais crédito que sermos honestos sem parecer.
Os papéis sociais têm muito a ver com nossa linguagem corporal. A maneira como sentamos, como ficamos de pé, como olhamos as pessoas nos olhos, como somos generosos com sorrisos e atitudes amigáveis, enfim, como cuidamos de nossa empatia pessoal é fator decisivo para transmitir uma imagem segura de si e, consequentemente, nos sentirmos realmente seguros.

Ainda na questão comportamental, nosso discurso não deve conter frases tais como, “… não posso…, nunca vou conseguir…, não adianta…” Negatividade atrai negatividade, assim como positividade atrai positividade. Frases mais positivas, tais como “… tenho certeza de… farei o possível… sou muito bom em…” ajudam a melhorar a segurança transmitida e, conseqüentemente, a sensação de segurança pessoal.

De um modo geral as coisas boas não costumam cair do céu em nossa cabeça, precisamos conquistá-las com algum esforço pessoal. A questão do pessimismo e do otimismo é mais ou menos assim. Temos que dedicar um certo esforço para pensar otimistamente. A pessoa otimista sente-se muito mais relaxada mental e fisicamente. Com otimismo confiamos mais em nossa própria capacidade. Mesmo que as coisas nem sempre dêem certo só porque somos otimistas, pelo menos estará preservada nossa auto-estima.

Já vimos como se sentir (e consequentemente agir) de modo negativo leva os outros a considerá-lo carente de auto–estima. Bem, felizmente o oposto é verdadeiro. Se você passa a impressão de uma pessoa confiante e otimista, os outros vão tratá-lo como tal. Em vez de um círculo vicioso, você criará um círculo benéfico.

Além de trabalhar os pensamentos e sentimentos, cuide para que sua aparência transpire autoconfiança; e você começará a confiar em si próprio cada vez mais. A primeira medida a adotar é uma linguagem corporal assertiva. A seguir preste atenção na altura e na entonação da voz.

 

Sentimentos de Culpa

A culpa é um dos sentimentos mais incômodos e do qual a maioria de nós sofre em maior ou menor grau, seja por algo que fizemos, seja por algo que deixamos de fazer. A sensação de culpa é, inclusive, a maior responsável pelo receio que temos de dizer não. Em geral os sentimentos de culpa só aparecem nessa sequência aqui colocada, ou seja, primeiro a pessoa tem que ter auto-estima baixa, depois tem que se sentir inseguro e, finalmente, experimenta sentimentos de culpa.

Claro que todos nós cometemos erros no passado, seja por coisas que fizemos e não deveríamos, coisas que fizemos mal feito ou coisas que deveríamos e não fizemos. De certa forma, todos nos sentimos culpados de alguma maneira (exceto os sociopatas). Entretanto, conforme recomenda a sabedoria popular, “quando nos sentir pessimistas em relação à situação atual, devemos nos sentir otimistas quanto as condições de agir”.

Todas essas atitudes comportamentais para alívio do sentimento de culpa, também válido para a auto-estima e insegurança, só são eficientes quando não existe um transtorno afetivo ou do humor concomitante (tipo depressão, estresse, esgotamento ou afins).

Outra orientação que pode ajudar é procurar fazer sempre a distinção entre o ideal e o possível. O ideal seria se tivéssemos feito assim, mas infelizmente foi-nos possível fazer assado. O ideal seria que as coisas caminhassem assim, mas elas têm se encaminhado dentro do possível.

 

Dicas da melhor maneira de dizer não

Já que chegamos nesse ponto, onde concluímos ser melhor dizer não às vezes do que viver angustiado por ceder em tudo e para todos, mesmo contra nossa vontade vamos ver quais seriam as regras para um não bem dito e preservador de nosso bem estar.

  1. Nunca comece a frase com a palavra NÃO. Embora seja esse o resultado final de sua fala, deixe o outro descobrir por si mesmo, durante seu discurso, que o resultado será NÃO, mesmo antes de você concluir sua argumentação.
  2. Use uma argumentação simples, objetiva, mas que, dentro do possível, faça o outro ter a mesma opinião caso estivesse em seu lugar.
  3. Jamais demonstre desconforto exagerado ao dizer não; um certo constrangimento é sempre desejável, mas, exagerar no constrangimento não melhora a sensação de quem recebe o não e pode transmitir a idéia de culpa.
  4. Sempre que possível deixe a idéia de que concordaria com o pedido se fosse possível, mas diante desse ou daquele impedimento, INFELIZMENTE, você não poderá aquiescer. Neste quesito pode ser aventada a possibilidade do adiamento, do tipo “… talvez em outra ocasião…” ·
  5. Mesmo depois da negativa, continue tratando o outro com a mesma (ou mais) gentileza com que vinha fazendo. Esse quesito é importante na medida em que algumas pessoas irritam-se profundamente com a ousadia dos pedidos dos outros.
    Não se irrite.

 

Orientação Cognitiva para começar a dizer não

Sempre é bom começar sabendo dos maiores patrimônios de sua pessoa; o primeiro deles é a saúde, o segundo é a felicidade e o terceiro a liberdade. Geralmente nós só damos valor a qualquer um dos três quando os perdemos. De fato, é quase impossível pensar na existência de um deles sem os outros, entendendo a saúde como bem estar físico e mental.

Muito bem. Não sabendo dizer não, estamos sujeitos às frustrações de sermos obrigados a fazer o que não queremos, sujeitos ao esgotamento por sobrecarga, sujeitos à mágoa de nos sabermos explorados, enfim, aborrecidos por não estarmos exercendo nossa liberdade plenamente. Assim pensando, torna-se obvio a necessidade de privilegiarmos nossa saúde, bem estar, felicidade e liberdade, sabendo ainda que de nossa saúde pode depender a saúde de nossos entes queridos.

De modo geral, a despeito de termos liberdade de exercer a caridade como melhor nos aprouver, de sermos fraternos de acordo com nossa consciência, não podemos permitir que o anseio de outros, às vezes inesgotável, venha a comprometer substancialmente nosso valioso patrimônio que é a saúde. Portanto, saber dizer não é uma das medidas mais preventivas para preservação de nossa saúde e um legítimo direito de exercer nossa liberdade. Assim procedendo, estamos honestamente contribuindo para nossa felicidade.

Ballone GJ -Convivência com o Próximo in. PsiqWeb.

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