Casamento
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Casamento

Segundo reportagem da revista Veja (ed. 11/08/99 – O casamento morreu. Viva o casamento!), nos Estados Unidos, 60% dos casamentos acabam em divórcio, na Inglaterra, são 40%. No Brasil a incidência também não para de subir, pois, segundo dados do IBGE, em 1985 um casal se divorciava para cada nove casamentos e em 1995, essa proporção era de um divórcio para cada quatro uniões.

Mas esses números não interferem na incidência do casamento. O problema é psico-fisiológico, ou seja, tem um componente psíquico e um fisiológico (que todos têm) mantendo a vocação para casar. É mais ou menos como o jovem que, psico-fisiologicamente, acha que sua juventude vai durar para sempre. Em relação ao casamento, todos acreditam que não dão certo os casamentos dos outros. Dessa forma, quem se casa continua achando que seu casamento, só o seu, será para sempre.

Porque Casar?

Infelizmente e, curiosamente, perguntando para as pessoas porque elas estão se casando a resposta nem sempre (ou quase nunca) será porque nós nos amamos. Na maioria das vezes os motivos são outros: para não ficar sozinho(a), porque todos de minha idade se casam, porque faz tempo que namoramos e agora é complicado não casarmos… e assim por diante.

Sem dúvida, a motivação para o casamento pode ser diferente entre os sexos. Pamela Paul estudou essa questão através de entrevistas (The Starter Marriage and the Future of Matrimony – O Primeiro Casamento e o Futuro do Matrimônio). Excluindo a resposta padrão e unânime, não interessando aqui o grau de veracidade, de que todos estão amando, um dos principais motivos femininos é o medo de ficar só. Funcionaria como uma espécie de cura para a solidão e a sensação de vazio. O segundo maior motivo é o desejo de construir um lar que represente conforto e segurança. Finalmente, em terceiro lugar, boa parte das pessoas se casou porque viu os outros a sua volta também se casarem.

Com razões tão frívolas e fugazes, muito possivelmente esses casamentos estarão desfeitos em alguns anos. Segundo Ailton Amélio da Silva, 30% dos casamentos não resistem mais de 10 anos de união.

Cerca de 90% dos jovens consideram um casamento feliz mais importante do que construir uma carreira ou ter filhos. Um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Ipea, usando números de 1996 coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revela que 69% dos jovens brasileiros com idade entre 25 a 35 anos tem um cônjuge.

Entre esses jovens, 31% vivem as chamadas uniões informais, ou seja, não são formalmente casados. Nunca foi tão grande o número de casais vivendo juntos sem passar pelo cartório ou pela igreja, caracterizando uma nova maneira das pessoas se relacionarem. Oito de cada dez homens separados se juntam a mulheres solteiras em média nove anos mais jovens que eles. Sete em cada dez matrimônios registrados no Brasil terminam em até dez anos. Uma mulher com menos de 30 anos e sem filhos volta a se casar três anos depois da separação. Se tiver filhos, esse tempo de espera para um novo casamento pode ser maior, em torno de quatro anos e meio.

Sinal dos tempos ou não, a motivação e os requisitos para que o casamento dê certo mudou muito. Houve épocas onde as juras de amor eterno era a motivação quase exclusiva para nutrir as expectativas de sucesso matrimonial, hoje fala-se em afinidades de personalidade.

As expectativas de sucesso no casamento não mudaram. Como dissemos, é psico-fisiológico e normal que a pessoa acredite que em seu caso tudo será diferente. Mas há, hoje em dia, uma consciência mais realista do “até que a morte os separe”. Casa-se por amor, evidentemente, como é praxe, mas outras coisas passam a ter um peso mais decisivo. O antigo quesito mulher obediente, caricaturizado na figura da mulher Amélia, passou para sexo satisfatório para ambos. Até os provimentos do lar sofreram profunda modificação e o outrora marido provedor, orgulhoso e cumpridor de sua missão, dá lugar à divisão das despesas. Os filhos também deixaram de ser cuidados exclusivamente pela mulher no casamento atual.

Uma das mudanças profundas que sofreu a união conjugal foi a maneira dos casais lidarem com o prazer sexual. Não faz tempo em que o homem, estatisticamente mais comum, zelasse de uma mulher para casar e outra para realizar suas fantasias sexuais. Era a dicotomia casamento-prazer. Hoje, tanto o homem quanto a mulher sabem que essas duas coisas têm, obrigatoriamente, de andar juntas e a satisfação sexual bilateral é fundamental para a continuidade do casamento.

A união ou, talvez, a despersonalização

Casar é conjugar e reside aí o fato de o casal encerrar, ao mesmo tempo, duas individualidades. Na prática, isso equivale a anular (se a palavra é pesada podemos usar relevar, conceder, transformar, etc) dois sujeitos, dois desejos, duas visões de mundo, duas histórias, dois projetos de vida e duas identidades individuais numa única identidade conjugal, em um mesmo desejo conjunto, em uma história de vida conjugada, um projeto de vida de casal, um só objetivo. No Brasil, até a certidão de nascimento, prova cabal de que minha pessoa existe, é substituída pela certidão de casamento.

Conforme cita Terezinha Féres-Carneiro, Berger e Kellner descrevem o casamento como um ato dramático, no qual dois estranhos, portadores de um passado individual diferente, se encontram e se redefinem. Na troca de ideias, no diálogo e na conversação conjugal, a realidade subjetiva do mundo é sustentada pelos dois parceiros, que vivem confirmando e reafirmando a realidade objetiva internalizada por eles. O casal constrói assim, não somente a realidade presente, mas reconstrói a realidade passada, fabricando uma memória comum que integra os dois passados individuais.

Evidentemente a individualidade é boa e desejável mas, “Ter seu próprio espaço, preservar seu próprio eu, ter autonomia, tudo isso ganhou tanta força que acabou corroendo o casamento” explica Terezinha Féres-Carneiro. No casamento tradicional e durável, é fundamental que um saiba sim da vida do outro. Não só da vida, mas dos sentimentos, carências, conflitos… Há necessidade de conhecer-se e sentir prazer com esse conhecimento recíproco e mútuo.

O psicanalista Flávio Gikovate, Diretor do Instituto de Psicoterapia de São Paulo, atendeu 7.000 casais em 32 anos de clínica e pode afirmar que “ninguém consegue passar muito tempo convivendo trinta dias por mês, doze meses por ano, com quem não compartilha dos mesmos interesses, hábitos e valores”.

Comportamento Conjugal de Risco

De modo geral parece que, salvo raras exceções, o casamento para ser durável deve ser, sobretudo, tradicional. Com isso estamos querendo dizer que os casamentos “modernosos”, os novos modelos ditados pelo sempre exaltado “espaço individual” de cada um tendem a deterioração, muito embora possam ser “politicamente corretos e fascinantes”. No casamento, a conjugação tem seus custos e benefícios, tem suas exigências mais ou menos independentes dos manuais de filosofia.

Mas não defendemos aqui, como pode parecer, que as pessoas devam conduzir-se obrigatoriamente num matrimônio tradicional. O país é democrático e opções criativas são livres. Como fazemos em um supermercado, pegamos tudo aquilo que queremos nas prateleiras…. não esquecendo nunca que passaremos inexoravelmente pelo caixa para “acertar as contas”. Na prática clínica são comuns as rupturas conjugais apesar do casal respeitar o “espaço individual” de cada um; happy hours permitidos, futebol semanal só com os amigos, não querer saber da correspondência nem das mensagens do celular, enfim, preservando espaços individuais …

Ao longo da história humana, inúmeros modelos de convivência conjugal foram tentados. Há registros de poligamia, concubinato e outras variações da sexualidade conjugal em várias eras de nossa história, como Salomão, por exemplo, que tinha mais de 400 concubinas e 700 esposas. Mas, uma coisa são as regras culturais e outra é a natureza biológica, humana em particular. As regras culturais parecem variar de tempos em tempos, enquanto as mudanças da natureza humana (se existem?) são imensamente mais lentas.

O modelo “casamento aberto”, por exemplo, é uma tentativa de mudar as regras sociais, e nem sempre é acompanhado pela capacidade de aceitar mudanças pelas pessoas. No consultório de psiquiatria veem-se pessoas que não se adaptaram à troca de casais e, depois de alguma experiência nesse sentido, entraram em falência emocional.

Parece que o ser humano aceita com muito mais facilidade emocional a troca de parceiros e, menos facilmente, a troca de casais. Entre o casal existe um sentimento que favorece mais a sensualidade sublime, notadamente por parte das mulheres. Entre parceiros sexuais existe mais a sexualidade erótica. São coisas diferentes.

A troca de casais não existe no reino animal por uma questão de definição. Entende-se por casal uma união duradoura e exclusiva, como o caso das araras ou das emas, por exemplo. E esses animais não trocam de casais, definitivamente, chegando a morrer o outro, tão logo um deles morra primeiro.

Mas não podemos falar em troca de casais entre bovinos, suínos, equinos, caprinos, etc, porque esses animais não formam casais. No máximo eles se juntam em parceiros sexuais por tempo limitado, geralmente fugaz.

Portanto, por questão de definição, arriscamos a dizer que os seres humanos também não trocam de casais com propósitos luxuriantes; trocam de parceiros. Isso quer dizer que, por questão de definição, enfatizo, quando se diz troca de casais entre humanos, deixou de existir o casal, dando lugar aos parceiros.

Deve ficar claro, entretanto, que a convivência entre parceiros não tem, obrigatoriamente, nada de pejorativo. É uma opção conjugal para a qual a pessoa deve estar preparada. O que pode causar desconforto emocional é quando não se definem claramente o que significam um para o outro: se casal ou parceiros.

Desarmonia Individual = Desarmonia Conjugal

Talvez a maior causa de desarmonia conjugal seja a desinformação sobre as desigualdades masculino-feminina em relação à maneira de vivenciar a realidade e, inclusive, em relação à sexualidade.

A crescente participação da mulher no mercado de trabalho e seu maior distanciamento daquilo que representava a mulher voltada à vida doméstica e à educação da prole, resultou em nova postura de desenvolvimento afetivo, social e educacional das novas gerações. Com isso a disponibilidade de tempo para que as pessoas se dedicassem a si mesmas e aos relacionamentos afetivos com os outros foi severamente prejudicado. O trabalho e a velocidade cotidiana afastaram as pessoas do convívio comum, isolando-as, cada vez mais a si mesmas.

A família, como instituição social, sempre esteve sujeita às influências da cultura e da história e a ideia da família como um grupo relativamente bem estruturado envolvendo o pai, a mãe e os filhos, em um grande número de vezes não corresponde mais à diversidade dos modelos de família atuais e da realidade que muitas famílias vivem. Tem sido cada vez mais comum encontrarmos famílias compostas apenas de um adulto e as crianças, tendo em vista o divórcio, a viuvez ou adoções de crianças por pessoas solteiras.

Conforme cita Almir Linhares de Faria, a família também parece ser uma instituição que frequentemente atravessa crises. “Quando Adão, segundo a narrativa do Gênesis, diz ao Senhor: “Foi a mulher que tu me destes”, eclode a primeira crise familiar. Aliás, a primeira família foi marcada por fortes crises, incluindo um fratricídio”.

Hoje, talvez como sinal dos tempos, a pessoa está vulnerável à todo tipo de crises e, inegavelmente, existem estreitas relações entre as crises individuais e as crises familiares e a crise individual acaba por repercutir no conjunto familiar. De modo geral, quem está bem consigo mesmo não incomoda aos demais, e a recíproca é verdadeira. Tenho visto casamentos fugazes devido ao desemprego, às dificuldades econômicas do casal, às dificuldades econômicas dos parentes próximos (a sogra teve que morar com o casal), aos transtornos de comportamento dos filhos (conduta, hiperatividade, etc) e outras circunstâncias adversas. Da mesma forma que existem alguns rompimentos conjugais devido à dificuldades existenciais de um dos membros do casal, tais como depressão, drogadicção, jogo patológico, alcoolismo, cleptomania, exibicionismo e mais um sem número de alterações.

A sexualidade é também um dos fortes motivos para separação conjugal. O impulso sexual, tanto feminino quanto masculino, pode se manifestar através da sexualidade erótica ou da sensualidade sublime, embora hajam predominâncias. De modo geral, a mulher se satisfaz mais com a sensualidade sublime. O impulso sexual que atende à sensualidade sublime na mulher pode ter início no café da manhã, através de alguma demonstração de carinho por parte do parceiro, pode exacerbar-se se o parceiro abre a porta do carro, se demonstra qualidades desejáveis para um bom companheiro, como compreensão, participação, cumplicidade, etc. Finalmente, o impulso sexual feminino se completa com a intimidade na cama, considerando a penetração uma parte (nem sempre a mais importante) da importância sexual global do parceiro.

Para a sensualidade, notadamente a sensualidade sublime, é ativada uma parte do Sistema Nervoso Central chamada de Sistema Límbico. Emoções e sentimentos, como ira, pavor, paixão, amor, ódio, alegria e tristeza são originadas no Sistema Límbico. A parte do Sistema Límbico relacionada mais especificamente às emoções e seus estereótipos comportamentais denomina-se circuito de Papez. Concluindo, do circuito de Papez faz parte uma região nobre chamada Hipotálamo e este, finalmente, é quem governa a expressão das emoções nos seres humanos. Portanto, o Hipotálamo regula a função de abastecimento do sistema endócrino e processa inúmeras informações necessárias à constância do meio-interno corporal (homeostasia). Coordena, por exemplo, a pressão arterial, a sensação de fome e, em nosso caso, o desejo sexual.

Psiconeurologicamente pode-se deduzir que a maioria das emoções negativas compromete o Sistema Límbico a ponto de prejudicar o desejo sexual. Isso ocorre, por exemplo, na raiva, ira, depressão, ansiedade aguda, etc. A influência límbica sobre o sistema genital feminino aparece claramente nas alterações menstruais ocasionadas por razões emocionais. Menos visível, mas mais incômodas, são as alterações da libido igualmente ocasionadas por emoções.

A sexualidade masculina, por sua vez, costuma ser mais relacionada aos lobos frontais e temporais. Verificou-se que lesões bilaterais dos lobos temporais, por exemplo, podem resultar na síndrome de Klüver-Bucy, caracterizada por comportamento hiper­sexual e outros desequilíbrios do comportamento social. O desejo sexual masculino se estimula mais pelos órgãos dos sentidos do que pelos sentimentos, como é o caso das mulheres. Para a sexualidade masculina é muito importante a visão, o tato, olfato.

Talvez por causa da necessidade desses estímulos, o homem sente mais cobiça sexual que as mulheres, buscam mais novidades sexuais que as mulheres. Estas, entretanto, experimentam mais a cobiça por objetos de grande valor simbólico, como bilhetinhos, cartas, datas, músicas, jóias, perfumes, flores, etc.

Ballone GJ – O Casamento, in. PsiqWeb

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